Delação premiada funciona para as relações conjugais e familiares? – Parte 2

Na primeira parte deste artigo, abordamos a delação premiada, fazendo um paralelo do uso dessa estratégia jurídica na vida conjugal e familiar e suas consequências à sustentabilidade dessas relações.

Pois bem: a pessoa que deve para sociedade por um delito cometido, após pagar sua pena, está livre. O infrator das relações conjugais e familiares algumas vezes é punido pelo juiz. Quando a punição é dada pelo cônjuge ou familiar, o tempo de “condenação” fica em aberto, ou seja, pode durar um ano, dez ou cinquenta anos, dependendo do tamanho da mágoa de quem se sentiu ofendido.

Na relação conjugal ou familiar, muitas pessoas vivenciam a condição de refém para o resto da vida ou ficam com uma dívida emocional por um bom tempo ou se condenam à prisão perpétua ou, ainda, arcam com a condição de culpado e permanecem na família ou no casamento como seres não dignos desse pertencimento.

De modo geral, quando se condena um ato ilícito ou imoral de uma pessoa pelo comportamento manifesto inadequado, somente o comportamento deveria sofrer punição, não a pessoa. É como dar banho em bebê e jogá-lo fora com a água.

Pense! Você faria uma delação premiada no seu casamento ou família, caso tivesse cometido algum ato imoral ou ilícito na sua convivência com seus entes queridos? A sua memória afetiva é diferente da memória do povo. Talvez você não consiga ser totalmente aceito nas suas relações pessoais e interpessoais, porém a sua consciência é que vai determinar a qualidade do seu sono.

As delações premiadas ou colaborações premiadas foram construídas para atenuar penas de infratores. Não seria mais saudável evitar infringir os contratos estabelecidos nas leis e nas relações conjugais e familiares, ao invés de lançar mão desse instrumento jurídico, que deixa dúvidas se as pessoas estão realmente arrependidas e conscientes do estrago causado na sociedade, nos casamentos e famílias?

Talvez o que deveria ficar bem claro é que essa prerrogativa legal está sendo utilizada apenas para ressarcir parte do prejuízo causado à sociedade e nos relacionamentos, porém, não recupera o grau de confiabilidade quebrado.

Caso a pessoa infratora deixe de ser primária, fato que passa a constar nos seus antecedentes e nos casamentos e nas famílias, é possível conviver com alguém que praticou um ato ilícito ou imoral, atentando contra pilares dos propósitos conjugais e familiares, sem que esse episódio interfira na qualidade das suas relações atuais?

A delação premiada ou colaboração compulsória é semelhante aos seguros de vida, carro e casa. Uma vez utilizados é porque o estrago já está feito.

O que você acha?

Sebastião Souza
Psicoterapeuta de casais e de famílias

Delação premiada funciona para as relações conjugais e familiares? – Parte 1

A delação premiada, ou colaboração compulsória, é uma premissa utilizada com instrumento dos juristas para conseguir provas ou evidências das pessoas indiciadas, no sentido de melhor fundamentar as argumentações processuais que podem levar ou não os indiciados à condição de réu, preso ou em liberdade.

O conceito dessa estratégia jurídica é aplicável na vida a dois ou nas relações familiares? Quais as consequências, caso um ou ambos cônjuges lance mão dessa prerrogativa?
Vamos refletir juntos a respeito: nos casamentos e famílias, quem não praticou o “delito” tende a se tornar o carrasco, enquanto a parte responsável pela atitude incorreta pode “bancar a vítima”.

O carrasco é semelhante a um guarda de cadeia: se ele descuidar o preso foge.

Assim é a pessoa ofendida que pune indefinidamente a suposta “vitima”.

Ambos são prisioneiros de uma questão não resolvida. 

Isso não acontece no meio jurídico, uma vez que o indivíduo é condenado e vai cumprir a sua sentença, seja com uso da delação premiada ou não. Ele estará pagando pelo que fez.  De uma forma geral, as condenações são determinadas a partir de provas materiais e evidências fundamentadas em argumentos racionais, com base nos princípios constitucionais para punir aquele que praticou o ato ilícito.

Já nos conflitos das relações familiares ou conjugais, em alguns casos, parte é resolvida pelos juízes, que verificam a legitimidade do processo e pedem a condenação da pessoa infratora. Outra parte deveria ser resolvida entre os cônjuges ou os membros das famílias, com base no padrão relacional afetivo que os norteia.

Em outras palavras, a delação premiada, ou colaboração compulsória, nas relações conjugais ou familiares, de modo geral, pode virar “uma faca de dois gumes”, ou seja, o efeito tende a ser o contrário do esperado.

A delação premiada tende a se transformar em “faca de dois gumes” nas dinâmicas relacionais, uma vez que os atos ilícitos, nos casamentos e famílias, são regidos pelas emoções. O que explica, mas não justifica a infração.

No lugar de atenuar a pena do infrator pode transformá-lo em um “devedor emocional” enquanto permanecer no casamento. Tudo vai depender de como os cônjuges ou os membros da família resolvem suas mágoas e dores frente ao ocorrido.

Em geral, dívidas emocionais são impagáveis, por isso, melhor mesmo é não contrai-las.

Normalmente, nas relações familiares ou conjugais, as pessoas tentam se perdoar entre si pelas faltas cometidas, expressando esse sentimento verbal ou gestualmente. No entanto, em alguns casos, as mágoas permanecem por longo tempo, a ponto das relações ficarem “congeladas” e se tornarem fatores predisponentes de distúrbios emocionais ou psiquiátricos.

Na segunda parte deste artigo, vamos falar um pouco mais sobre as consequências da delação nas relações entre casais e membros das famílias. Não perca!

Sebastião Souza
Psicoterapeuta de casais e de famílias