Viver com freio de mão puxado ou na “banguela”?

Pessoas apegadas andam com o freio de mão da vida puxado, preferencialmente em “carros” de baixa cilindrada. Em outros momentos, “dirigem” carrões potentes, na banguela, sem usar os freios. Ou seja, em certas situações, têm bastante medo de ousar, lidar com novos desafios. Em outros, abusam dos apegos, justificando-os com o amar incondicionalmente os que estão ao seu redor.

As sementes dos medos ou abusos têm as mesmas raízes: a do apego a bens materiais e a pessoas, receio da entrega autêntica à vida, dificuldade de lidar com o desconhecido e diferente, até mesmo de mergulhar fundo nas relações pessoais e profissionais, com receio de perder o que conquistaram e construíram.

Com o passar do tempo, a vida dessas pessoas funciona como se fosse um filme passado em câmara lenta ou em alta velocidade. Isto ocorre à medida que vão deixando de exercitar os seus potenciais de criatividade e desenvolvem um modo de viver sem riscos ou, em determinadas situações, com risco total. É como uma aeronave que procura ficar abaixo do sinal do radar, para não ser vista pelo inimigo. Em outras palavras, pessoas que passam a vida usando suas capacidades criativas abaixo da média, com medo de fracassos e frustrações ou, em outras situações, que ultrapassam os limites de velocidade e altura, ameaçando a si mesmas e a terceiros.

Essas pessoas que usam esse modo de vida, e se justificam a partir das necessidades materiais, emocionais e as histórias que exeperenciaram na infância, adolescência e até vida adulta, são contaminadas pelos fantasmas das misérias materiais e emocionais. Por isso, se ancoram em crenças e nessas argumentações irracionais.

Por outro lado, o excesso de apego se inicia quando as pessoas se desconectam de suas emoções, deixando o carro “na banguela”, descendo ladeira a baixo, praticando excessos que asfixiam todos que convivem com elas. Maridos ou esposas possessivos e ciumentos, que usam de agressividades e hostilidade, por conta de um “amor infinito” que os levam a perder a cabeça, são exemplos típicos.

Outras, em nome de uma religião fundamentalista, matam por amor a um “deus” que lhes autoriza a cometer atrocidades, causadas pela fé cega e doentia, uma justificativa para seus atos irresponsáveis.

Torcidas organizadas, obcecadas pelos seus times, que lançam mão do fanatismo para transformar adversários no esporte em inimigos na vida, como se o campo de futebol fosse um campo de batalha.

Mães excessivamente apegadas aos seus filhos que se transfiguram em verdadeiras esposas apáticas, escondidas atrás de sua prole, com medo de perdê-la.

Políticos fascinados pelo poder que viram “químicos”, transformando dinheiro público em festivais de viagens, mansões, carros de luxos e outras mordomias.

Para pessoas assim, a justificativa quase sempre se repete: estão pensando no amanhã. No entanto, elas esquecem que o hoje e o agora são essenciais à sua sobrevivência e que, dessa forma, permanecem “congelados” em um passado, vivenciando um sentimento de inadequação praticamente permanente. Ou seja, “vendem a alma ao diabo”, que, no futuro, irá cobrar – e muito caro.

Ser apegado é ficar travado ao longo da vida, funcionando “meia boca”, desprezando o potencial de criatividade, de inventividade, deixando puxadas no “freio de mão” as oportunidades de sucesso.

Não se esqueça: esses modos de viver foram criados pelos “diabinhos internos” das histórias de cada um de nós.

Tem um velho ditado que diz “mais vale um pássaro na mão do que dois voando”. Eu, particularmente, prefiro os passarinhos que vivem livres, com autonomia e felizes. Quanto mais os vejo assim, mais compreendo que viver é a arte do equilíbrio entre aquilo que desejo para mim e o que sirva de referência saudável e harmônica na convivência com meu próximo.

Para saber se levamos nossa vida como um carro com freio de mão puxado ou ladeira abaixo é só verificar quanto de nossos projetos pessoais e profissionais não saíram do papel ou da mente por falta de nosso empenho e ousadia de tentar, porque colocamos na frente deles questões do passado não trabalhadas, que se transformam em verdadeiros “infernos particulares”.

Pense bem nisso!

Sebastião Souza
Psicoterapeuta de casais e de famílias